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Estomatite Ulcerativa em Répteis
O que é?

Estomatite ulcerativa é uma doença que ataca diversas espécies de répteis, as mais atingidas são as Iguanas verdes (Iguana iguana), os basiliscos (Basiliscus plumifrons), ball pythons (Python regius), e lagartos monitores(Varanus sp.), mas pode atingir outras espécies menos conhecidas no comércio e suas conseqüências sempre são preocupantes, do ponto de vista clínico.

A doença

Geralmente apresenta-se como uma ferida nos lábios ou na parte interna da boca. Pode ter placas amareladas nas gengivas e / ou sangue também saindo da boca. Algumas vezes os clientes me relatam ter observado algo semelhante a uma “bola”, que observo se tratar de um nódulo crescente no local.
A estomatite ulcerativa é uma definição erroneamente utilizada para definir outras doenças que podem ter origens bem diferentes. Nos EUA as pessoas leigas chamam de “mouth rot”, ou seja “podridão bucal” e com isso incorrem no mesmo erro das pessoas leigas do Brasil. Eu tenho observado meus clientes serem apresentados com estomatite a mim, quando, na verdade o problema é outro.
Diversas causas podem originar o problema. A mais comum tem sido a abrasão rostral. No caso de animais mal alojados, em terrários muito pequenos para seu tamanho, estes tentam sair pela parte de tela, causando trauma com injúria no “nariz”, trauma este que pode complicar, caso algum tipo de bactéria ou fungo consiga se estabelecer ali, pois irão causar uma infecção local que pode até se espalhar para o resto do corpo, se tomar o sangue do animal e se espalhar com sucesso. Outra causa muito comum se trata de espécies muito ariscas, que batem sem parar na frente dos vidros do terrário, por não conseguirem entender que os limites, embora invisíveis do vidro, são sólidos e podem machucar. As espécies mais conhecidas por este tipo de comportamento são os Basiliscos, e os animais capturados em natureza são mais assustadiços que os reproduzidos em cativeiro. Animais muito agressivos tendem a atacar a pessoa que os observa, traumatizando-se no vidro invisível, podendo apresentar o problema facilmente em poucos dias. Serpentes como as do gênero Corallus e jibóias (Boa constrictor) possuem estas características e são as mais conhecidas aqui no brasil.
Existem outras possíveis causas para o problema, a agressão entre animais de mesmo terrário também está incluída neste rol. Animais decididamente territoriais como os lagartos do gênero Crotaphytus, Eublepharis e serpentes do gênero Condropython, Corallus e Aspidites podem estar implicadas quando houver confronto territorial ou reprodutivo. Tomar cuidado ao introduzir estes animais pode ser útil, principalmente no caso de geckos não sexados ou incorretamente sexados em um grupo novo. Às vezes não dá tempo de impedir o estrago feito por um macho dominante sobre um recém chegado.
Uma causa muito mais dramática que esta supracitada é a agressão na hora da alimentação. Alguns animais ficam como que em estado de frenesi alimentar e passam a não distinguir muito bem o que é o corpo de um companheiro da comida, inclusive podem facilmente confundir um dedo com sua alimentação e aí vale de novo a regra de evitar que problemas como este possam vir a acontecer, separando na hora da alimentação. É bom lembrar que a dentição de serpentes costuma ser muito afiada, bem como a pegada de um monitor acima de 30 cm, o que pode complicar um pouco, se o dano for extenso, podendo necessitar de suturas e antibióticos locais ou sistêmicos além de acompanhamento da ferida por um profissional especializado.
Pessoas que alimentam seus animais com presas vivas podem ter problemas pela agressão inesperada por parte da presa assustada. Embora possa parecer difícil às vezes, diante da sua “serpente matadora”, que nunca foi vista “negando fogo” ou seja, deixando uma presa mais do que 30 segundos sem um aperto, isto um dia pode acontecer e seu animal pode ser muito machucado. Geralmente tenho visto estes casos quando os donos deixam seus animais com a “comida” durante a noite e a razão é simples: nem sempre seu animal estará pronto para comer, pois serpentes são seres que sofrem estímulos das mais diferentes naturezas para desencadear reações de ataque, defesa, cópula e alimentação, citando só algumas.
Exemplificando, um dia a temperatura do seu terrário pode estar mais baixa que o normal, sendo insuficiente para que sua serpente se sinta estimulada a desferir o bote. O mesmo pode acontecer se houver variação de temperatura, queda de metabolismo, proximidade do ciclo hormonal reprodutivo, inibição competitiva intra ou extra específica e outra gama de fatores aqui não inclusos. Importa dizer que as conseqüências podem ser muito severas e não raro há animais que não resistem a ferimentos. Já venho observando este tipo de acontecimento em jararacas (Bothrops sp.) e em jibóias, bem como em monitores também, pois os roedores não se limitam a morder apenas a região bucal, mas podem atacar o corpo todo, mas quando acontece de ser apenas na boca, os clientes dão entrada se referindo apenas a um caso de estomatite, muitas vezes sem desconfiar da causa.
Animais que vivem em substrato áspero ou seco podem ter problemas se este substrato acidentalmente machucar a região bucal e gengival, seja na hora da alimentação, quando aderido ao alimento ou não. A escolha deste substrato deve ser repensada de forma a garantir mais segurança ao seu réptil, pis além de causar estragos na boca, a possibilidade de ingestão de um substrato pontiagudo pode lacerar órgãos internos de seu animal.
Agentes infecciosos, como fungos, vírus e bactérias também podem estar implicados nos processos de estomatite ulcerativa como causa primária. Nódulos e abscessos não são raros de serem encontrados e merecem uma atenção especial quando encontrados para que haja uma perfeita identificação de sua natureza, diagnóstico e tratamento eficaz.
Embora muitos possam não saber, existem vários casos de câncer em répteis, já documentados em literatura. Estes tumores podem aparecer na boca, causando uma impressão errônea quanto a sua possível causa, por isso a presença DE UM VETERINÁRIO ESPECIALIZADO É DE SUMA IMPORTÂNCA PARA UMA IDENTIFICAÇÃO RÁPIDA E CASO POSSÍVEL, UMA EXTRAÇÃO CIRÚRGICA DO REFERIDO TUMOR. Atenção ao se deparar com este tipo de problema, pois seu diagnóstico precoce pode significar a vida de seu animal ou sua perda.

Medidas preventivas

Diversas coisas podem ser feitas para evitar que este tipo de problema venha a acontecer, a simples compra de uma espécie nascida em cativeiro pode ser a chave de se evitar uma estomatite traumática ou ter que lidar rotineiramente com este problema. Quando a possibilidade é escassa e a oferta recai apenas sobre animais coletados, pode-se pensar na colocação de barreiras visuais na parte anterior do terrário e também em posicionamento de esconderijos, para onde o animal se dirija no caso de se sentir acuado. Dependendo do caso, estas barreiras podem ser provisórias ou permanentes, dependendo da espécie adquirida ou da sua habilidade de “amansar animais tidos como indomáveis”, conheço algumas feras no assunto.
A informação prévia quanto à biologia e comportamento em cativeiro dos animais que serão adquiridos também é válida para evitar combates por território, presas ou fêmeas. Determinadas espécies definitivamente não se dão com outros machos em momento algum de suas vidas, a não ser quando ainda não atingiram a maturidade sexual.
A escolha de substratos, tampas com tela de nylon ou similar e demais artefatos de abrigo e ambientação podem evitar problemas de traumas bucais/ gengivais. Vale a pesquisa antes de adquirir seu réptil. 
Medidas de higiene no terrário e em seu animal são de vital importância para uma correta manutenção em cativeiro de qualquer espécie. Consultas semestrais para exames clínicos e laboratoriais devem ser feitas rotineiramente de forma que se possam detectar problemas antes deles virem a se constituir em “reais problemas” para você.
Conte sempre com a ajuda de um veterinário especializado para que as coisas possam se resolver a contento. Só existem duas formas de se tentar resolver um problema, á despeito dos meios utilizados: a certa e a errada. Independente de outros fatores, serviços de qualidade costumam ter custos mais altos, mas costumam ter uma eficácia maior que os de baixa qualidade. Medicina boa não é barata, e medicina barata não é boa, pelo menos se você procura qualidade em serviços e satisfação no final.
Ademar Couto